sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Chegando à Argentina

Chegar até a Argentina me fez chorar
Gostava quando encontrava aquele menino magro desengonçado
Sempre com um poema no bolso que sabia
Iria gostar
E eu brigando com seu pai na sala de aula
Vejo em seu sorriso a tradução da família
Um sorriso de Deus abençoando os que sabem amar
Outro dia encontrei seu pai no ônibus
Sentados lado a lado
Fomos até o Rio
Ali lhe pedi desculpas
Ali fizemos as pazes desnecessárias

Isabela - março/2002

Narciso perdido no espelho
Eu me perdendo em seus olhos
Grito que chega calando respostas
Criança de mini saia e salto alto
Sorriso de boca larga que engole a vida
Saudade de quando cabia em meus braços
Cresceu
Me chama pra sair
Me dá conselho de irmã mais velha
Despreocupada,
choro
Pois agora é você quem me dá colo

Vida

Espera da morte.
Espera sofrida?
Não,
se vivida

Instante singular

Poeta sentado
no mesmo lugar
olhos cerrados
cabeça jogada
as mesmas horas
os mesmos dias
de vários anos

Matemática do ninho

Síndrome do ninho vazio
Isso minha mãe não conhece
Aqui somos três: V, R e I

R saiu aos 26
V saiu aos 29
I ficou, só tinha 15
= 1 passarinho no ninho

V logo voltou
R voltou e ficou um pouquinho
= 3 passarinhos no ninho

Mas R se foi novamente
Ficaram V e I
= 2 passarinhos no ninho

Agora, I resolveu tecer o próprio
e ...
quando parecia ficar só 1 passarinho
R volta pro ninho

Curriculum Vitae

Nessa vida, dizem que devemos:
- ter um filho
- plantar uma árvore
- escrever um livro

Não tive um filho
mas troquei fraldas, fiz dormir,
me descabelei de preocupação

Não plantei uma árvore
Só samambaias e pés de couve

Não escrevi um livro (aquele de papel)
Mas cá estou

Será que meu currículo será aceito?

Mazinho, Rachel e Tininho

Gosto bom sempre fica
Pimenta amassada,
feijão e farinha
Figo cristalizado,
broa de fubá quentinha
Doce de leite
de faca e colher
Deus me deve uma explicação
que sempre vou cobrar

Fonte

Toda fonte seca
Um dia seca
Só não seca na lembrança
De quem, um dia,
Nela se refrescou

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O aquário
























Hoje um peixinho morreu.
Tem um aquário aqui.
Não é meu, é da minha sobrinha.
Elas já nem moram mais conosco.
Mas minha irmã fez questão de esquecê-lo.
Quem gosta de limpar aquários?
Eu o limpo porque minha mãe detesta casa suja.
Mesmo sendo a dos peixinhos.
Não é a primeira vez que um morre.
Eram cinco, hoje são só dois.
Detesto aquários.

???

A maré tá baixa
fazendo um caminho pros que amam
O vento deu uma trégua
hoje só tá soprando pra refrescar
A lua sorri
de bochecha a bochecha
E eu aqui ... sem namorado
Vou ver novela

Carta aos Leitores

     Meus Queridos,



     De repente estava aqui quietinha.
     Sentei, digitei e ... vocês me levaram até o Acre, me fizeram atravessar o oceano.
     Como cheguei ao Acre e à Austrália eu sei. Mas o resto da viagem é segredo que deleito a cada momento que venho, humildemente (mentira, quem me conhece sabe que não sou assim ... rs), postar meus escritos.
     Gostaria de poder beijar-lhes as mãos. Não quero saber o que acharam, não que isso não tenha enorme importância e, não me cause coceira de curiosidade. Mas o fato é que acessaram e, em algum momento adentraram esse meu mundinho.
     Sempre fui descrente de estatísticas, sempre trazem aquilo que algum ente cheio de culpa quer que acreditemos ou, cheio de pompa, usa esses números para fazer-se grande diante dos outros. (Falo do nosso governo, mas isso é outra conversa.)
     ... Voltemos às minhas estatísticas. Não sabia desse recurso: Estatísticas. Primeiro desconfiei, como desconfio de tudo que vem desse vasto mundo tecnológico. Mas tenho me rendido a ele. Até comprei um celular. E já faz um ano! Correio eletrônico, msn (essas coisas), já uso há quase cinco. Até Facebook. (Quem me conhece sabe que isso é um progresso e tanto ... rs)
     Já li que há variações entre os "sei lá como se chamam" que nos deixam a par dos acessos ao Blog. Bem, eu uso o que me foi apresentado e nem sei como faço para usar outros.
     Estou feliz com as estatísticas. Sempre  terão uma margem de erro: aqui, ali, hoje ...
     Mas que eu fui ao Acre e à Austrália ... isso eu fui!

     Sintam-se beijados ... Virginia

Os carros de hoje

Hoje vi um carro laranja
Como não dirijo ...
Prefiro chupá-las,
Não a lima, que é muito doce
Prefiro a bahia, no ponto
Vi um outro verdinho
Lembrou-me uma salada:
crespa, roxa, americana
Muito azeite e mostarda!
Também fazem carros mostarda
Acaba de passar um tão amarelo
que a temperatura até subiu
E outro azul
Aquele tom que acolhe o sol
Já não se fazem carros como antigamente
Como eu ando de ônibus,
não sofrerei da indecisão que deve ser
escolher entre tantas cores
Quando passar no concurso
vou andar de táxi
E esse pode ser de qualquer cor
Basta o motorista ouvir boa música

Desiteratum - Desideratu - Desiderato

Desejar a própria imagem

Esperar o espelho quebrar-se

Sentir falta do desconhecido

Incessante procurar, procurar-se

Desejar que o desejo se cale

Esperar que o mundo se esqueça

Retardar a morte num sorriso

Apenas procurar, sem achar

Tentar não perder-se

Ovelha perdida sem pasto

Saudades do porto

Os correios só carregam contas e embrulhos amassados
Sentimentos se perderam na internet
deslindados da carne
Paixões não acompanham esse ritmo frenético, dislético
É cálice de porto a ser degustado
... p a u s a d a m e n t e ...
após divina refeição
Mas o mundo agora é virtual, unilateral
Tudo corre, escorre
Vendaval que desmancha os cabelos
E nem gosto tem
Mãos no teclado,
olhos vidrados,
sentados,
envelopes amarelados
E dizem se apaixonar 

Envelopes amarelados


















O envelope amarelou
O momento sagrado de sentar-se bem acomodado
e deleitar a carta
já não existe mais
Desdobrar o papel
revelando a letra amada,
velando a dor da distância
Palavras acarinhando folhas
ainda carregadas do perfume das tuas mãos
Os envelopes estão no fundo das gavetas
aguardando a próxima arrumação
quando,
de vez,
serão descartados
... sem cerimônia solene

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Caminho certo

Não me venha com esse ar de conquistador,
não me atire seus músculos bem trabalhados,
não pense que eu perderei o fôlego
com essa sua disposição.
Não me apresente contorcionismos,
pra isso, vou ao circo
...
Me fale poesia
Me encha de perguntas
Me dê uma resposta
Me abra a alma
que eu amoleço as coxas

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Quero Você - fevereiro/2009

Pergunto-me o quê quero
Você.
Como?
Segurando-me com a delicadeza que a rosa requer
e com a força necessária para que a presa não fuja
mesmo que se perceba a total entrega
Que me beije
com a demora do primeiro de muitos
E que rápido me faça pele
na sua pele
Um entrelaçado de cores
Bocas que
cansadas das palavras
só querem matar a sede
E mais sedentas estão

Agradecimento - agosto/2009

Toda obra tem um agradecimento
É de praxe
Por isso pensei ... pensei e,
o máximo que consegui foi agradecer a Deus
Antes que algum religioso abra um largo sorriso
preciso explicar que:
Deus pra mim é algo bem peculiar
É o ar que respiro dentre outras coisas
E não coloco nada em suas mãos, pois ele não as têm,
fez as minhas pra que eu fosse à luta
Assim como as pernas, os olhos, todo o resto que já sabemos
e, a possibilidade de “passar” por esse mundo
aprendendo a usar meus cinco sentidos
E assim viver de verdade
Respeito os raros homens de fé
Esses conhecem Deus na essência

Sou Negra Sim - novembro/1999

Sou negra sim
Sou negra no sangue
negra na ginga
negra no tempero quente
negra na dor do meu irmão
Negra no Vô
filho de negros
neto de negros

Sou negra camuflada na pele branca
no cabelo liso
Mas a cor grita no peito
arde nos pés
pinta o amor
Amor negro, de cabelo crespo
de nariz largo
de pele quente
de virilidade

Sou negra sim
Negra na luta
No batuque que mexe forte as articulações
Que entra no ouvido e encharca a alma
Negra nos pés
Graças à Deus!
No turbante branco que envolve o coração
Na reza forte espantando maldição

Negra na convicção
No olhar translúcido
que enxerga a alma
que aperta o peito
beijando o coração
Que é vermelho na pele branca
Que é vermelho na pele preta
Que é vermelho no amarelo
Que é vermelho enquanto vivo

Sou negra sim
No amor que tenho
no amor que faço
no cheiro que sinto
na pele que abraço

Até você

Com a poesia atravesso oceanos
o corpo nunca cansa
Atravesso o tempo
e nunca envelheço
Me faço presente
não conheço, desconheço
Só sinto o gosto adocicado
de tuas mãos tocando minha poesia
Emudeço

Lídia





Mesuras no olhar que nos afaga

Amando sem delongas

Risos, sorrisos, lágrimas discretas

Indo, vindo, nos arrumando

Apenas ... amando

Laranjas e Tédio

Volto apressada do mercado
O almoço atrasado
A cama por arrumar
Não deveria ter dormido mais meia hora
A culpa é minha
Só minha
Algo cai no meu pé
A bolsa rasgou
As frutas rolam
fugindo do tédio
Queria ter coragem
Uma vontade de chorar umedece meus olhos
Respiro fundo
Preciso catar as laranjas
Hoje é dia de picadinho
E precisa estar no ponto

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Enxurrada - março/2002

Ah! Poeta
Não desperta em mim a vontade do beijo,
a vontade do desejo,
a vontade de mostrar-lhe o quanto é intenso o meu amor
Pela vida, pelo mundo, pelo segundo
Segundo que pode ser fatal
Quando num piscar, num descuido,
minha boca pode encontrar a sua
Talvez
pra você
só mais um beijo
Um beijo de menina boba
Que sem perceber
Embriagou-se de suas palavras
gota à gota
Sem atentar para o perigo
Sem perceber o desatino

Ah! Poeta
Não desperta em mim a vontade do beijo
Não me olha assim
como quem tem fome
pois maior pode ser a minha
Um beijo que parece ...
só um beijo
Mas pode ser enxurrada
que carrega pra longe o que há de bom
Você, firme, fica olhando a água passar
Eu, menina tola,
deixo-me levar

Poesia hoje - março/2002

Antes nascia da dor:
profunda, aguda, doída,
sem fim
Era parto de criança atravessada
onde alguém corre o risco de morrer
Morria eu
Nascia a poesia
Desfalecia-me no pranto da dor
enquanto as palavras riam-me no papel
Hoje nascem da boémia
mesmo de um copo de fanta
Onde o único entorpecer que preciso
são as palavras do poeta maior
De quem bebo cada artigo
e não me envergonho engasgando em substantivos e adjetivos
Hoje o parto é tranquilo
É parto de índio,
que num suspiro,
agacha,
pari
e arrebenta o cordão pra sair andando
anunciando na maior das felicidades
a cria perfeita

O Índio de Villas - março/2002




















Seu olhar me incomoda
É pedido de socorro para os poucos que restam
É grito de indignação para os muitos que foram
... jogados fora da sua terra
... jogados fora do seu rio
... jogados fora da sua mata
Seu olhar grita o grito de muitos que aqui viviam em paz
... de espírito
... de consciência
... com seus Deuses
Que desapareceram na verdade do branco
e na mentira de um deus que tudo permite
quando o poder e ganância falam mais alto
Seu olhar vive no remorso do presente pendurado na parede

Despertador

Adoro pássaros
Mas hoje estão barulhentos demais
Gritam desde às 5:00
Incessantes:
- Virginia, levante daí!

Pássaro na janela




















Num repente o pássaro entra
Voa desgovernado
Encontra a janela
Vai e volta
Logo ao lado está a saída
Mas parece saber o que faz
O empurro
Faço-o sair
Já basta eu, de encontro ao vidro

Poesia

Rio de água turva
Filete lutando pra não secar
Enxurrada que leva tudo
Fundo remexido
Dejetos à mostra
Não se faz poesia com água cristalina

* * *

Poesia é feita de paixão
Às vezes necessitamos abraçar a carne
Mesmo sabendo apodrecer

* * *

O Poeta se recompõe
Pra no instante seguinte
Se deixar levar
Sem saber quando volta

Aula de francês

Déjà entendu

Déjà vécu

Déjà vu

Esse foi o francês que aprendi com você

Pássaro sem asas



















Filho é pássaro que nasce sem asas
Pode até voar torpe
Se não voa...
carregue a culpa

domingo, 25 de setembro de 2011

Último olhar

Tenho direito a um último olhar
Sei não concordar comigo
Mas tenho direito a esse último olhar
E que seja verdadeiro, pelo menos dessa vez
Não poderia deixar-me com amor nos olhos
O certo seria um olhar de desprezo
Ou qualquer coisa que fizesse doer de uma única vez
Se é que isso é possível
Mas a dor duraria menos (eu acho)
Deveria ter me deixado ir
Mas pediu pra ficar
Deveria ter desmarcado a viagem
Não o fez
Me falou em pra sempre
Quando tinha prazo de validade
Me fez dançar uma música colocada só pros meus ouvidos
Eu ia de acordo com seus passos
Que me fez acreditar sinceros
Você deveria ter me jogado na lama
Deveria ter me jogado em qualquer lugar
Mas me deixou flutuando numa bolha de sabão, longe de galhos
Vou sem rumo
Quero fincar os pés, não consigo
Não é justo negar-me seu olhar
Não é justo dar fim a uma história sem colocar o ponto
Imploro
Não seja covarde
Me olhe uma última vez

Migalhas

Sempre a mesma dor
Deixo-a doer
Penso que assim ela se esgota e cessa
Mas eu a alimento
Me faço verme buscando suas palavras
E a dor aumenta
Busco por vestígios de alguém que não fui
Nada
Constatar que não me encontro
É ir ao encontro da dor que digo querer que pare
Mentira
Ela é a única prova da sua existência
Sem a dor não tenho você
Eu o quero mesmo assim
Sou um não-sei-o-quê rastejante
Ávida por migalhas que você ignora jogar-me

Segredo da menina - março/2002

Há momentos em que rompemos com as regras.
Não as regras insanas dos homens, mas as nossas sagradas regras do dia-a-dia.
Sagradas até o momento que saímos pela tangente, sorrateiramente, dançando as notas que o mar entoa.
Despimo-nos de qualquer ponteiro, de qualquer não posso, de qualquer não devo.
O que vale é o coração e a alma ritmada.
Que ora rodopia ao vento quando versos, como pena ao soprar da brisa, caem.
Caem acariciando a face, os ombros, rolam ...
E o poeta a sopra novamente no sussurro da canção.
Que não importa a métrica é canção por excelência.
Embalando a alma dos ouvidos que no momento fazem-se súditos das suas palavras.
E a hora passa...
Como o mais puro dos méis que ao provarmos, escorre da boca, e segue ...
A música, que não cessa, embriaga aquela que, na expectativa da próxima palavra, perde-se.
E faz de Pã, naquele momento, o único Deus capaz de reger sua vida.
As horas passam, e o néctar, destilado, vai ficando mais puro e sagrado no despedir-se de cada presente.
E o poeta continua.
E a poesia, que ora encantava ouvidos desatentos e almas mais ainda, é monopolizada pelo coração de quem ama.
Que bebe do poeta salvando-se da sede que o deserto causara.
E naquele momento os olhares se cruzam. A única regra é amar, como poucos sabem, como poucos ousam.
O amor que eterniza-se nas declarações feitas com os olhos, com o sorriso, com o peito ...
Declarações únicas, inefáveis.
E a hora passa.
E seguimos amando.
Como poucos sabem, como poucos sonham ser possível.
E num simples suspiro sentimos a paixão melhor de todas.
E agradecemos a Deus o momento de nos desprendermos dos corpos, que morrem, e deixarmos as almas voarem, entrelaçando-se no mais sublime balé.
Quando música e movimento consagram a dança das almas perdidas na saudade e que voltam a se encontrar.
Entorpecidas no encantamento das palavras.
E a menina segue, antes que o sol brilhe publicando seu segredo.
E o mar vai apagando suas pegadas para que ninguém leia a história ...
... que só aos Deuses pertence.

Infância

Tenho saudade do tempo que caminhava descalça
e nem possíveis cacos de vidro podiam me ferir

Tenho saudade do tempo que ia correndo, mesmo sem pressa,
pois o mundo sempre esperava
Corria por ser da natureza de qualquer criança,
que nunca para

Tenho saudade do tempo que para ter amigos
bastava encontrar um outro serzinho na beira da praia,
trocar um sorriso
e ir fazer castelos de areia, onde todos eram reis

Tenho saudade do tempo que minha Vó ainda sorria-me,
e que festa era acordar todos os dias com o galo cantando,
ir sujar os pés na terra
e colher flores que logo virariam o enfeite de um lindo bolo

Tenho saudade do tempo em que o ser humano
é gente de verdade,
e nada mais existe do que a vontade de ser feliz
... e fazer arte

sábado, 24 de setembro de 2011

Divagações (?) - "Pessoas certinhas"

     Nunca fui fã de pessoas certinhas.
     Talvez isso seja preconceito? Logo eu que digo não os ter! Mas isso é outra história.
     "Pessoas certinhas" me incomodam. Fico pensando se elas sabem quem são.
     Todo produto passa por um teste de qualidade. Mergulhar na vida é isso.
     Essas tais "pessoas certinhas" não o são por terem passado, com mérito, no teste. Elas não se permitem fazê-lo. Nunca provam com medo de se lambuzarem.
     Ninguém vive de verdade sem se lambuzar. Talvez "pessoas muito limpinhas" também me incomodem.
     Claro que não temos a nosso dispor, sempre que necessário, fontes de água cristalina.
     Há momentos que caminhamos de mãos sujas tateando ao redor.
     Há outros que a destreza nos permite sujar apenas as pontas dos dedos. Aí é só dar uma lambidinha e pronto. Só cuidado, pode causar dor de barriga!
     Fora quando só temos água suja ao nosso redor.
     Alguns momentos nos vemos de lama até o pescoço. Ou paramos e ela endurece, ou seguimos, mesmo pesados.
     Sempre há um dia de chuva forte.
     Mas ... lama também serve pra ser moldada.

Breve funeral

Não, não precisa chorar
Nem se desesperar
Só preciso morrer por alguns dias
Tô tão cansada
que até as batidas do coração estão pesadas
Não, não mexa no corpo,
deixe-o ali quietinho
O velho vestidinho tá confortável
Preciso que me dispa de algumas lembranças
Nada de flores,
essas eu gosto bem vivinhas num jardim
Tire as coroas
Acho essas frases de péssimo gosto
Me deixe um sanduíche, por favor
Talvez eu ressuscite com muita fome

Caminhos


Você aceitou os muros
Eu aprendi a transpô-los
sem me machucar
Você ficou hipopótamo
enquanto decidir respirar
Eu me fiz gaivota
Mergulho pra buscar o alimento
mas retorno ao grande voo
E assim você ficou
E assim eu sigo

Sem enfeites

Não me peça pra usar enfeites
A essência só me permite vestir a carne
O único adorno é a alma
Revela, desvela, não vela
Incomodada, armada
E desarmada quando a brisa a leva pro ninho
A necessidade da transparência é gritante
Imploro que me enxergue
Não desvie o olhar um segundo fazendo de mim ilusão
Não sei sustentar tal fardo

Companhia

Talvez compre um espelho grande de moldura bem bonita
Talvez sente em frente a ele todos os dias
Talvez aquela seja a pessoa com a qual vou envelhecer
Sei que ela me ama
Sei que conhece meus defeitos
Sei que me aceita
Mesmo que o espelho rache
Mesmo que seja espatifado
Mesmo que o cubra com um pano branco
Ele vai estar lá
Ela vai estar lá
Essa é a única certeza que tenho

Meias encardidas

Que mania de meias brancas
As minhas estão encardidas
Limpas, mas encardidas
Tiro-as dos pés e jogo-as na máquina
Pronto.
Aquele chacoalhar já não é o bastante?
Queria chorar água sanitária
Será que assim a recordação seria apagada?
A alma ficaria branquinha como da primeira vez?
Ela anda mais encardida que as meias
E não está limpa
Tá empoeirada
Poeira pesada que nem vento forte leva
O jeito é deixar de molho

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Hora certa - outubro/2009

Hora de ser cachoeira
Hora de saber destilar-se
Hora de penetrar fundo
Hora de perder-se no olhar
Hora de segurar forte os cabelos
Hora de sentar
... levemente recostada
Hora de beijo na testa
Hora de beijo na boca
Hora de ouvir ...
de falar ...
de emudecer-se na exaustão
Hora de dormir
Sonhar ...

Grandes ondas

Grandes ondas nem sempre significam perigo
Nem sempre viram o barco e nos deixam à deriva
Nem sempre vêm e vão deixando um rastro de más lembranças

Quando uma onda se vai formando
E conseguimos abraçá-la no momento certo
Não sentimos seu peso em nossas cabeças
Ela nos levanta
Nos acolhe e nos leva alto
E num breve e delicioso instante
Sentimos o voo dos pássaros

O que parecia perigo
Nos lambe
Num eterno carinho

Grandes ondas chegam fazendo balançar
Mas isso não significa fazer cair
Primeiro vem o enjoo do pra-lá-e-pra-cá
O desespero
As mãos correm às cegas procurando onde agarrar
E firmes
Dizem em voz baixinha que podemos abrir os olhos
O enjoo vai passando

Solavancos parecem um bailado
Com os olhos abertos avistamos terra
E firmes
Aprendemos que
Sonhos são eternos quando permanecemos com os pés no chão

Flor de Plástico - agosto/2010

A cada palavra,
o pouco que restava
foi se perdendo
Na verdade
um pouco que,
até então,
pensava ser deserto que nunca acaba,
árido secando lágrimas que ainda teimavam em inundar-me
Que por muitas vezes brotavam
quando, despida da tua presença,
eu me deixava invadir por aquelas sensações
que um dia, quis eternas
A cada palavra,
percebi que não querias,
que nunca quiseste
Mas as sensações são perversas
Nos enganam,
nos fazem acreditar que tudo é verdade
e abafam qualquer vestígio da razão
Hoje senti asco
Vontade de socos e pontapés
Raiva dos que não sabem amar
Nem que seja por um segundo
Raiva de ti,
que brinca,
que colhe tuas palavras em terreno alheio
e as rega com lágrimas sinceras,
doídas
Dor que não conheces
Desejo que todas as tuas flores murchem,
mesmo sendo do mais vagabundo plástico
Que nada reste
Nem a lembrança do perfume
que tu sabias não ser verdadeiro

terça-feira, 20 de setembro de 2011

A Casinha

Num canto da praia
Uma casinha
Portão branco onde a onda esbarra
Ali não existe o tempo
Ali somos só poetas
Passou do portão
Estamos despidos
Os versos são nossas moedas
Amigos ricos de longa data
Esse conheci agora
A música vem do mar
Que bate no tom certo
Acompanhando a poesia
Ali me apaixono
Ali você me olha e enamoramos
Lua e Sol se cumprimentam
E nos lembram
Que o relógio existe

Outro dia derrubaram a casinha
Agora não tem mais poesia no canto da praia
O poeta também se foi
Sua voz doce e imponente
Ainda percorre meus ouvidos
Mas o relógio ...
Esse não para mais

Vou ao cinema - novembro/2009

Vou ao cinema
Ainda não sei se quarta ou sábado
Só sei que vou ao cinema
Não importa o filme
Só quero chegar na hora certa
Comprar pipoca e refrigerante
Estar pronta pra viagem
Me lembro da primeira vez que me senti livre
Fui – sozinha – ao cinema
Estava na Cinelândia
Respirei fundo e fui
Apenas eu e todo o monóxido de carbono que já fazia parte da minha dieta
Foram os poucos momentos que me senti eu
Eu de verdade
Um eu que pouco conheci
E acabou por se esconder
Cheguei a pensar que havia desaparecido
Mas estava apenas escondido
Os “eus” não somem
Apenas se escondem
É que, às vezes, as brumas se fazem densos nevoeiros
E nem percebemos
Apenas não os vemos mais
E nos acostumamos a isso
Ainda bem que algo reclama
Assim como garganta seca esperando água
Vou ao cinema
E isso é tudo